1 Monólogo Silencioso

Com trejeitos quase displicentes, divisou o ambiente exatamente na hora marcada. Avistou o garçom, seu já conhecido que em uma muda comunicação, indicou-lhe que a sua mesa favorita - a do canto entre o gradil de flores e a fonte - estava vazia.

Endireitou os ombros como quem veste uma pesada armadura, olhou de soslaio para seu momentâneo “cúmplice” e com passos calculados foi sentar-se. Ele aproximou-se com a sua habitual elegância e lhe perguntou – o mesmo de sempre? Embora naquele momento ela preferisse um Scott duplo e “cawboy”, assentiu com sorriso glacial. Não lhe cairia bem chamar atenção.


Seu café chegou e foi sorvido calmamente, como gotas de silencio...o pensamento, vagava pelas brumas das lembranças entretido nos ultimos acontecimentos. Fora surpreendida pelo quase anônimo chamado dele. Mesmo que o ar lhe faltasse, decidiu ouvi-lo. Falaram amenidades e dizendo que passaria pela cidade, convidou-a para um café. Em meio ao torvelinho de emoções ela viajou os anos luz que apartam a surpresa da decepção, seria desculpas para vê-la ou ela estava sendo apenas “mercadoria de troco”??! Uma maneira “agradável” de preencher seu tempo ocioso na cidade? 

Queria realmente vê-la? Se o motivo da visita fosse saudades, teria lhe dito sem rodeios, ele não era homem de dissimulações...
Não soube definir, mas, debilmente aceitara o convite.

E cá estava, mergulhada nas suas lembranças. Trajada como no primeiro encontro, aquele dia em que fora arrebatada na estação e que desde então, perdera a sua racionalidade tão peculiar de mulher decidida, destemida...oferecera-se ao amor sem exigencias, assumindo todas as conseqüências de não mais pertencer-se. Queria que ele soubesse o quanto fora marcante aquele momento.

As chamas da vela sobre a mesa dançavam, vivas imagens retidas naquele ambiente que já havia testemunhado a felicidade do casal. O Burburinho do ambiente, lhe invadiam os tímpanos, sorrisos displicentes, frases interrompidas, ruídos de beijos apaixonados...ela fazia parte daquela paisagem.

Para disfarçar os tremores das mãos, serviu-se de um guardanapo, cingiu-lhe entre os dedos e mergulhou novamente no seu mar de lembranças...realmente, só estava ali em nome da felicidade que experimentara ao seu lado, analisava agora. O que lhe diria? Não ensaiou nada, afinal, tudo entre eles sempre fora puramente acasional, nunca conseguiram fazer nada dentro de um escript...filhos do acaso que os unia e os acolhia, o mesmo acaso que os mantinha atados um ao outro... desfrutavam longas conversas sérias, bom humor, idéias inteligêntes, deliciosas brincadeiras inocentes...momentos de ternura simples e pura... momentos intensos de prazer beirando a exaustão...tudo perfeitamente encaixado, não havia excessos nem faltas...para ela ao menos, fora a magia das suas necessidade de menina romântica que trazia tão resguardada e recatada na sua mais impenetrável intimidade...ele fizera bem o seu papel!

Decerto, só um objetivo nesse momento caustico que já lhe fazia liquida as entranhas, precisava dizer-lhe olhando nos olhos, o que nunca lhe disse: que ele havia sido o SEU AMOR! Sim, por tantas vezes lhe dissera que o amor era só seu, intimo e particular e não dependia dele para existir. Ironicamente, hoje seria a única coisa que tinha em mente a lhe dizer, precisava liberta-se desse amor egoísta, nem que fosse para dizer adeus definitivamente a si mesma...

Pela primeira vez, desde que chegou, olhou em volta, com aqueles olhos de lago transbordando e a unica coisa que lhe parecia concreta era o relógio na parede a sua frente, que visto assim de longe, movimentava-se como um abismo em espiral que engolia o tempo...recebeu de volta uma piscadela... Arrepiou-se!

Talvez fosse de frio, percebeu agora a chuva, em consonância com a tormenta que lhe ia no intimo, aumentava rapidamente erremessando-se nos ladrilhos da fonte, escorria. De volta ao mundo concreto, começou a desconfiar que tudo havia sido um mero sonho, um sonho tão solitário como agora se sentia...a merce das punhaladas das gotas sobre a pele, foi rendendo-se a sua velha conhecida lucidez e a respiração agora retumbava em todo corpo, chegava a sentir o ruido dos poros se contraindo.

Levantou a cabeça e avistou o garçom observando-a, com apenas um olhar ele lhe trouxe a conta...saiu na chuva sem abrigo, agora, com o seu céu se esvaindo em grossos pingos de tristeza...podia chorar em paz!

Autor: V.Cruz
Localidade: São Paulo
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1 Respostas para "Monólogo Silencioso"

  1. V.Cruz 26 de abril de 2011 às 12:48
    Menino que honra ter um texto meu publicado no seu blog.
    Abraços,
    V. Cruz

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