4 Drácula

por  Polar Pearl

Tu me enganas e eu te engano pra continuar tudo bem, tudo como estava. É necessário. “Há quanto tempo estamos assim? Desde o começo, talvez?”, pergunto para o espelho. Há tantas voltas não sou eu mesma. Meu corpo não me corresponde e não me reconhece.

O que aconteceu? Nada muito trágico. Nenhum término de relacionamento tão significante quanto a ressaca do dia seguinte, nenhum amigo traidor que mudou drasticamente minha vida, além de alguns reais a menos no bolso, meus pais e irmãos ainda vivem. Não sofri qualquer acidente, não fui à guerra, não fui estuprada. Não tenho câncer, nem AIDS. Não fui assaltada nos últimos dez anos. O que aconteceu comigo?

Tenho trinta e oito anos e minha vida é uma série de não-acontecimentos. Irônico como consigo exteriorizar qualquer coisa do nada. Meus livros vendem como água e os leitores vêm até mim falar como adoraram os romances. “Como são reais!”, afirmam entusiasmados.

Como são tolos.

Gostam de mentiras, dizem se identificar com os escritos, mas não há nada de suas vidas medíocres neles. Se assim fosse, eu poderia dizer que escrevi minha própria vida.

Eu deveria ser grata, não deveria? Meu rosto no espelho diz que sou grata, e sorri. Sorri para os leitores, deixa um autógrafo na primeira página. Ele parece feliz. Mas eu não estou. Meu último caso disse que eu fazia pelo público o que não fazia por mim mesma, tornando sua existência menos indolor. Gostei dele, e ele, do meu dinheiro. Transamos loucamente por um mês e depois sumimos da vista um do outro. É assim que funciona, caso não saiba. Uma contadora de histórias não acredita no amor. “O que esperava?”, pergunto para o espelho novamente.

O reflexo quer me largar. Porque eu sou lixo. Digo que ele pode ir, mas eu fico com a sombra. Ainda mando em alguma coisa por aqui. E o que seria de um reflexo sem sombra? Então ele fica.

Não há nenhuma história para me fazer sentir menos incapaz, porque eu sei que são apenas mentiras. Mentiras bonitas. As reais? Se valerem o preço de ser escritas, só me lembram que eu não tenho uma para contar.

Fico torcendo para, quem sabe um dia, alguém aparecer e dizer o quanto sou vazia, falsa. Que eu apenas menti para mim e para os outros durante... sempre. E então, quando isso acontecesse, largaria tudo. Seria a médica que minha mãe sempre quis e só diria verdades às pessoas. Morreria satisfeita de ter salvo muitas vidas, enfim.

Fantasiando outra inverdade. Há tantas voltas rogo por isso, em vão. Meu reflexo continua mentindo para mim. Aprendeu comigo.

Blog: http://www.buracoescuro.blogspot.com

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4 Respostas para "Drácula"

  1. Célia Regina Carvalho 9 de junho de 2010 às 18:50
    Oi, Israel... Passei para dizer "oi". Bjus
  2. Glauco Silva 10 de junho de 2010 às 17:23
    Bem "reflexivo".

    Abraços Israel.Te linkei e to seguindo teu ótimo blog.
    Abração.

    A propósito, obrigado pelas suas opiniões lá em meu blog. Seja sempre bem vindo.
  3. Israel 10 de junho de 2010 às 18:51
    Eu é que agradeço, Glaukitos, pelos ótimos post em seu blog e pela sua gentileza.
  4. Célia Regina Carvalho 26 de junho de 2010 às 09:13
    Oi... Sumiu! Veja se aprova:http://saofranciscobyceliaregina.blogspot.com/2010/06/decisao.html.
    Bjus

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